Crônicas de Carlos Drummond de Andrade
CONSELHOS DE UM VELHO APAIXONADO
Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu
coração parar de funcionar por alguns segundos, preste
atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.
Se os olhares se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo brilho intenso entre
eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em
que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos
se encherem d'água neste momento, perceba: existe algo
mágico entre vocês.
Se o 1º e o último pensamento do seu dia for essa pessoa, se a vontade de
ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Algo do céu te mandou
um presente divino : O AMOR.
Se um dia tiverem que pedir perdão um ao outro por algum
motivo e, em troca, receber um abraço, um sorriso, um afago nos
cabelos e os gestos valerem mais que mil palavras, entregue-se:
vocês foram feitos um pro outro.
Se por algum motivo você estiver triste, se a vida te deu uma rasteira e
a outra pessoa sofrer o seu sofrimento,
chorar as suas lágrimas e enxugá-las com ternura, que coisa maravilhosa:
você poderá contar com ela em qualquer momento de sua vida.
Se você conseguir, em pensamento, sentir o cheiro da pessoa como se ela
estivesse ali do seu lado...
Se você achar a pessoa maravilhosamente linda, mesmo
ela estando de pijamas velhos, chinelos de dedo e cabelos emaranhados...
Se você não consegue trabalhar direito o dia todo, ansioso pelo encontro
que está marcado para a noite...
Se você não consegue imaginar, de maneira nenhuma, um futuro sem a pessoa
ao seu lado... Se você tiver a certeza que vai ver a outra
envelhecendo e, mesmo
assim, tiver a convicção que vai continuar sendo louco por
ela...
Se você preferir fechar os olhos, antes de ver a outra partindo: é o amor que
chegou na sua ida.
Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, mas
poucas amam ou encontram um amor verdadeiro.
Às vezes encontram e, por não prestarem atenção nesses
sinais, deixam o amor passar, sem deixá-lo acontecer
verdadeiramente. É o livre-arbítrio.
Por isso, preste atenção nos sinais.
Não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa
da vida: o AMOR !!!
Ame muito.....muitíssimo...
Aí por volta de 1910 não havia rádio
nem televisão, e o cinema chegava ao interior do Brasil uma vez por semana aos
domingos. As notícias do mundo vinham pelo jornal, três dias depois de
publicadas no Rio de Janeiro. Se chovia a potes, a mala do correio aparecia
ensopada, uns sete dias mais tarde. Não dava para ler o papel transformado em mingau.
Papai era assinante da Gazeta de
Notícias, e antes de aprender a ler eu me sentia fascinado pelas gravuras
coloridas do suplemento de Domingo. Tentava decifrar o mistério das letras em
redor das figuras, e mamãe me ajudava nisso. Quando fui para a escola pública,
já tinha a noção vaga de um universo de palavras que era preciso conquistar.
Durante o curso, minhas professoras
costumavam passar exercícios de redação. Cada um de nós tinha de escrever uma
carta, narra um passeio, coisas assim. Criei gosto por esse dever, que me
permitia aplicar para determinado fim o conhecimento que ia adquirindo do poder
de expressão contido nos sinais reunidos em palavras.
Daí por diante as experiências foram
se acumulando, sem que eu percebesse que estava descobrindo a leitura. Alguns
elogios da professora me animavam a continuar. Ninguém falava em conto ou
poesia, mas a semente dessas coisas estavam germinando. Meu irmão, estudante na
Capital, mandava-me revistas e livros, e me habituei a viver entre eles.
Depois, já rapaz, tive sorte de conhecer outros rapazes que também gostavam de
ler e escrever.
Então começou uma fase muito boa de
troca de experiências e impressões. Na mesa do café-sentado ( pois tomava-se
café sentado nos bares, e podia-se conversar horas e horas sem incomodar nem
ser incomodado ) eu tirava do bolso o que escrevera durante o dia, e meus
colegas criticavam. Eles também sacavam seus escritos, e eu tomava parte nos
comentários. Tudo com naturalidade e franqueza. Aprendi muito com os amigos, e
tenho pena dos jovens de hoje que não desfrutam desse tipo de amizade crítica.
- "Viúva, 21 anos..."
- Tadinha. A vida é isso.
- "Loura..."
- Melhorou.
- "Fazendeira, rica..."
- Epa, muda completamente de figura.
- "Pertencente a tradicional família mineira..."
- Corta essa!
- "Recém-chegada do interior..."
- Então, não custa sondar a barra.
- "Procura companhia masculina..."
- Ainda bem que é masculina. Tou às ordens.
- "Que seja jovem..."
- Você acha que 38 anos está na pauta?
- "Bem intencionado..."
- Nunca fui outra coisa na vida.
- "De fino trato..."
- Não é por me gabar, mas...
- "Conhecedor dos pontos pitorescos do Rio..."
- Que é que ela entende por pontos pitorescos? Eu prefiro pontos estratégicos.
- "Para passeios e ..."
- Etc., lógico.
- "Futuro compromisso matrimonial..."
- Corta! Corta!
- É mesmo.
- Aliás, eu não tenho mais de 38. Tinha, semana passada.
- E rica... Rica de que? Talvez de predicados apenas.
- Poxa, até parece que você está querendo a viúva pro seu bico. Pera aí, mau-
caráter.
- Eu? Vê lá se eu vou nessa onda de anúncio. Tou prevenindo pra você não se
grilar. Viúva, mineira, loura... Se é mineira, não deve ser loura. Se é loura.
É artificial. Se é artificial...
- Deixa a viuvinha ser loura e mineira, deixa.
- Olha, eu conheci uma loura que, além de outros negativos, era careca.
- Ora, peruca resolve.
- Sei não, mas tudo isso junto- mineira, viúva, loura, 21 anos, rica...
- Que é que tem?
- É exagero. Não precisava Ter tantas qualidades.
- Foi uma graça de Deus.
- Você não merece tanto.
- Será outra graça de Deus.
- Deus não deve ser assim tão desperdiçado com suas graças.
- Lá vem você querendo dar instruções ao Altíssimo. Perde essa mania.
- Bom, mas você não sabe que mineiro esconde milho até de monjolo?
- Continua.
- "Cartas com sigilo absoluto..."
- Evidente.
- "Indicações pessoais..."
- Minha ficha é mais limpa do que caixa d'água de edifício quanto o síndico vai
ao terraço.
- "E fotos..."
- Arrgh! Só tenho 3x4, muito fajuta. Mas tiro de calção, frente, perfil e
fundos.
- "Para a portaria desse jornal, sob n° 019 834."
- Pera aí. Tou anotando. 019?
- 834.
- Legal. 834 é o número de meu edifício, 19 é pavão, que tem a perna dourada.
Lê mais.
- Já li tudo, ué.
- Lê outra vez. Repete.
- Vai decorar?
- Vou gravar melhor na nuca, vou raciocinar em bloco, vou...
- Se habilitar, né?
- Correto.
- Calma, rapaz. Sabe lá que espécie de viúva é essa?
- Vou ver pra conferir.
- Pode nem ser viúva.
- E daí?
- Diz que tem 21 anos, mas quem garante que não é modéstia? Às vezes tem três
vezes 21.
- Então você admite que ela é mineira.
- E que cria galinha sem ração, na base da parapsicologia?
- Também sou mineiro, uai.
- E nunca me confessou. Eu jurava que você fosse capixaba.
- Fui. Questão de limites, minha terra passou pra banda de cá. Não espalha,
sim?
- Me tapeou esse tempo todo.
- Esquece.
- Vai ser dura a parada: mineira loura versus mineiro mascarado.
- Fica em família, né?
- A tradicional?
- As duas. Eu na minha, ela na dela.
- Agora sou eu que digo: tadinha.
- Por quê? Se ela botou anúncio, quer transar. Eu transo. No figurino.
- É verdade que tem muito carioca por aí, muito paulista, muito nortista,
espiando maré. Talvez você chegue tarde.
- Duvido. Você sabe que nessas coisas sou meio Fittipaldi. Comigo é Fórmula-1.
- Mineiro contando prosa? Nunca vi isso.
- Bem, mineiro é capaz de contar prosa só pra esconder que é mineiro...
- Chega, amizade, você já ganhou a viuvinha com fazenda e tudo, podes crer!
A garota em êxtase brandiu o postal
que recebera do namorado em excursão na Grécia :
- Coisa mais linda! Olha só o que ele escreveu: "Eu queria desfolhar teu
coração como se ele fosse a mais margarida de todas as margaridas.
"Marquinhos é genial, o senhor não acha?
- Pode ser que seja, não conheço Marquinhos. Se bem que antes da era Pierre
Cardin, genial era Dante, Da Vinci, Einstein, outros assim. Mas essa frase não
é de Marquinhos.
- Não é de Marquinhos?! Tá com a letra dele, assinada por ele.
- Estou vendo que assinou, mas é de Darío.
- Quem? O Darío, do Atlético Mineiro? Sem essa.
- Não minha florzinha, Darío, Rubén Darío, o poeta da Nicarágua.
- Não conheço. Então Rubén Darío falou para Marquinhos e Marquinhos
- Achou bacana e pediu emprestado a ele?
- Tenho a impressão que o Marquinhos não pediu nada emprestado a Rubén Darío. Tomou
sem consultar.
- Como é que o senhor sabe?
- É muito difícil consultar o Darío.
- Por quê? Ele não dá bola para gente? Não gosta da mocidade? É careta?
- Não é nada disso. O Darío não é encontrado em parte alguma.
- Ah, ele gosta de bancar o invisível, né?
- Não creio que goste, mas é exatamente o caso dele: invisível.
- Não dá para entender.
- Vai entender logo. Ele morreu em 1916.
- Ah! E como é que o Marquinhos descobriu essa margarida, me conte!
- Simples. Leu num livro de poemas de Rubén Darío.
- Marquinhos não é ligado a leitura. Duvido.
- Se não leu no livro, leu em alguma revista, em alguma parte.
- Hã...
Ficou tão triste- os olhos, a boca, a testa franzida- que achei de meu dever
confortá-la:
- Que importância tem isso? A frase é de Darío, é de Marquinhos, é de toda
pessoa sensível, capaz de assimilar o coração à margarida... Desculpe: à
margarida.
Muxoxo:
- Se é de todos, não é de ninguém, não vale nada.
- Pelo contrário. Fica valendo mais, torna-se sentimento universal.
- Ah, o senhor está por fora. Eu queria a margarida só para mim. Copiada não
tem graça. A graça era imaginar Marquinhos, muito sério, desfolhando meu
coração transformado em margarida, para saber se eu gosto dele, um pouquinho,
bastante, muito loucamente, nada. E a margarida sempre com uma pétala escondida
por baixo da outra, entende? Para ele não ter certeza, porque essa certeza eu
não dava... Era gozado.
- Continue imaginando.
- Agora não dá pé. Marquinhos roubou a margarida, quis dar uma de poeta. Não
colou.
- Espere um pouco. Eu disse que a margarida era de Rubén Darío? Esta cabeça!
Esquece, minha filha. Agora me lembro que Rubén Darío nem podia ouvir falar em
margarita, começava a espirrar, a tossir, ficava sufocado, uma coisa horrível.
Alergia- que no tempo dele ainda não estava batizada. Pois é. Garanto a você,
posso jurar que a margarida não é de Darío.
- De quem é então?
- De Marquinhos, ué.
- Tem certeza que nunca ninguém antes de Marquinhos escreveu ä mais margarida
de todas as margaridas"? o senhor lê milhões, pode me responder. Tem
certeza?
- Absoluta. Marquinhos é genial, reconheço. Mas, por via das dúvidas, continue
escondendo uma pétala de reserva, sim?
- Pode deixar por minha conta. Puxa, quase que eu parava de transar com o
Marquinhos por causa do senhor. Agora tá legal, tchau, vovô!
Vovô: foi assim que ela me agradeceu a mentira generosa, a bandida.
- Ouvi dizer que vai a Paris.
- Exato.
- A negócio?
- Não.
- Turista?
- Não.
- Missão política reservada?
- Não.
- Tão secreta assim?
- Não.
- Se não sou indiscreto...transa de amor?
- Não.
- Está muito misterioso.
- Não.
- Como não? Saúde, talvez.
- Não.
- Compreendo que não queira alarmar...
- Não.
- Busca apenas repouso.
- Não
- Fugir do trabalho, então.
- Não.
- Capricho do momento.
- Não.
- Tantos não devem significar um sim.
- Não.
- Significam sim. Vou repetir as hipóteses.
- Não.
- Temos pela frente uma indústria nova, de vulto.
- Não.
- De qualquer maneira, é financiamento internacional.
- Não.
- Então a coisa está ficando preta.
- Não.
- Está preta, e há jogadas que só em Paris.
- Não.
- Percebe-se alguma coisa no ar.
- Não.
- Não dá para perceber, mas há.
- Não.
- Mas pode haver a qualquer momento.
- Não.
- Nem hipótese?
- Não.
- Nenhuma nuvem distante, muito distante mesmo?
- Não.
- No ano que vem?
- Não.
- Ouvi mal?
- Não.
- Sendo assim, é segredo pessoal?
- Não.
- O coração é quem dita a viagem... eu sei.
- Não.
- Sim, sim. Pode confessar.
- Não.
- Hoje em dia essas coisas são públicas. Dão até cartaz.
- Não.
- Sei que não precisa disso, mas...
- Não.
- Por que não? Está com medo da imprensa?
- Não.
- Receia perder a situação social?
- Não.
- A situação financeira?
- Não.
- Política?
- Não
- Pois olhe, melhor é preparar o ambiente.
- Não.
- Claro que sim. Insinuar mudança em sua vida.
- Não.
- Discretamente.
- Não.
- De leve, só uma pincelada. Deixe comigo.
- Não.
- Não abro manchete nem boto aquela foto em duas colunas,
aquela bacana, lembra?
- Não.
- Só cinco linhas.
- Não.
- Duas.
- Não.
- Mas tenho de dizer alguma coisa.
- Não.
- O senhor é notícia.
- Não.
- Pode dizer que não, mas é sim.
- Não.
- Puxa vida, o senhor hoje está medonho. Resolveu responder não a tudo que é
pergunta minha?
- Não.
- Ah, é? Então vamos recomeçar: o senhor vai a Paris?
- Vou.
- E que é que vai fazer em Paris?
- Ver.
- Ver o quê?
- O Último Tango em Paris.
- E por que é que não me disse isso logo, homem de Deus?
- Você não me perguntou, por que eu havia de responder?